A pandemia por COVID-19 apresentou-nos um conjunto de desafios
para os quais, muitos de nós, não estavam preparados.
Para além das consequências mais evidentes (ao nível da
saúde física, isolamento social, avizinhamento de uma crise socioeconómica), a pandemia
adoeceu o mundo num todo e não apenas aqueles que contraíram o vírus.
De acordo com alguns psicólogos humanistas, como Maslow, os
seres humanos possuem um conjunto de necessidades que deverão ser cumpridas
para que possam experienciar a felicidade ou a vivência plena.
Apesar das necessidades fisiológicas (como por exemplo,
alimentação, sono, hidratação) serem extremamente importantes para a nossa
sobrevivência, as necessidades de segurança estão imediatamente acima das
fisiológicas. Isto significa que somos «programados» de forma inata a nos
sentirmos seguros. Por isso, já desde os humanos primitivos, nós construímos locais
para nos abrigarmos das condições ambientais adversas e do perigo dos
predadores, procuramos estar próximos de familiares e amigos, procuramos
estabilidade financeira, fazemos consultas médicas de rotina (e não apenas por
estarmos doentes), fazemos seguros de vida, saúde, carro, … São as nossas tentativas
de nos sentirmos mais seguros e de dar segurança àqueles que amamos.
Falando em segurança, muitos psicólogos defendem que nos
sentimos mais seguros nos ambientes conhecidos. Há mesmo quem defenda que nos sentimos
mais seguros num caminho conhecido, mesmo que sinuoso, do que num caminho limpo
de obstáculos, mas que nos seja desconhecido. Assim sendo, nós procuramos
conhecer o que nos rodeia, através de estudos (científicos ou não) de forma a
tornar o nosso ambiente mais previsível.
O novo coronavírus, SARS-CoV-2, abalou a nossa segurança. E
grande parte desse abalo deve-se à incerteza. E o que é a incerteza? É uma
situação na qual nos é difícil prever a probabilidade do resultado (OMS), ou
seja, à partida é-nos muito difícil prever as consequências desta pandemia
tanto para nós como para os que nos rodeiam. Como é um vírus novo, e, portanto,
desconhecido, ainda não são certas as formas de contágio nem as consequências
que este pode vir a trazer na nossa saúde física. Não há cura, não há vacina. Estamos
um pouco por nossa conta…
Os estudos realizados acerca do fenómeno da insegurança
revelam resultados curiosos. Os primeiros resultados mostraram um aumento da
incerteza no início da pandemia, mas isso é normal, estávamos a lidar com uma
situação nova que nos obrigou a diversas adaptações (no nosso dia-a-dia, no
nosso trabalho) e isso fez-nos sair da nossa «zona de conforto» e obrigou-nos a
mudar, o que, por si só, já é gerador de insegurança.
Mas o mais curioso destes estudos, é a incerteza no
pós-pandemia. Agora estamos, ainda que lentamente, a regressar ao «normal».
Muitos de nós deixaram o teletrabalho e regressaram aos seus postos. Outros
começaram a frequentar bares e restaurantes. Mas, ainda assim, o sentimento de
insegurança não só se manteve (segundo alguns estudos) como aumentou (segundo
outros estudos). Então o que se passa aqui? Porque não readquirimos a nossa
saúde mental de volta?
Agora, com o regresso à «normalidade», perdemos essa
segurança. Estamos a ser, novamente, obrigados a sair da nossa «zona de
conforto». Será que é mesmo seguro sair? Tenho que ir trabalhar mas, se
contrair o vírus, irei contagiar este meu familiar que é doente de risco… Será
que estamos mesmo em segurança? Mais uma vez, entramos no caminho desconhecido.
Mas é um caminho bom? Sim, pelo menos estamos a ter sinais de que a pandemia está
controlada. Mas é desconhecido e isso gera sentimentos de incerteza.
Assim sendo, temos que desenvolver estratégias para lidar
com a incerteza. Umas delas são preventivas, isto é, ajudam-nos a desenvolver a
nossa tolerância à incerteza, como por exemplo, inserirmos a incerteza
propositadamente nas nossas vidas:
- Escolhermos um caminho diferente para irmos para o
trabalho ou às compras;
- Experimentar um restaurante novo (especialmente se incluir
comida de outros países / culturas);
- Visitar sítios novos;
- Ouvir uma música de um intérprete novo;
-Experimentar um produto de uma marca nova;
- Etc.
E relativamente a esta situação de pandemia? O que podemos
fazer?
Primeiro que tudo, ainda está ao nosso alcance recuperar um
pouco de controlo sobre a situação. E isso passa por tornarmos o que nos rodeia
mais conhecido e, portanto, mais previsível. Isso pode passar por:
- Respeitar as normas vindas das autoridades de saúde no que
diz respeito à prevenção: distanciamento social, utilização de máscaras e
outros equipamentos de proteção para ambientes específicos;
- Mantermo-nos informados. E aqui é importante referir que a
proliferação de informações pode ser perigosa. Assim, devemos centrar-nos nas
entidades mais competentes em matéria de saúde, como a Organização Mundial de
Saúde, Direção Geral da Saúde e outras na área da Medicina, Enfermagem,
Psicologia, etc.
Outras técnicas podem ajudar-nos a lidar com pensamentos
mais intrusivos, é quantificar probabilidades:
- em vez de dizer «é possível apanhar o coronavírus», dizer
«a probabilidade de apanhar o coronavírus é X»;
- em vez de dizer «há muita gente nova internada em estado
grave por causa deste vírus», dizer «de acordo com as autoridades de saúde, a
probabilidade de desenvolver sintomas graves é baixa, logo a probabilidade
disto de acontecer é baixa também»);
Portanto, as grandes recomendações que vos deixo é aceitarmos
que a incerteza faz parte das nossas vidas. Ela não surgiu com o novo
coronavírus. Existe probabilidade de não acordar no dia seguinte, mas, ainda
assim, colocamos todas as noites o despertador para tocar. Existe a probabilidade
de termos um acidente grave na nossa ida para o trabalho, mas, ainda assim,
descongelamos carne para o jantar.
É vencendo a incerteza que saímos da nossa zona de segurança e nos desenvolvemos enquanto seres humanos. A pessoa que não arrisca até pode evitar, temporariamente, o sofrimento e a mágoa. Mas quem não arrisca nada, não faz nada, não tem nada e torna-se em nada. Apenas quem arrisca é verdadeiramente livre.
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